domingo, 4 de maio de 2014

Sanity

Louise Bourgeois

























A carne foi cortada a frio
como se todas as meninas do mundo servissem
para alimentar a fome.

O corte era fundo.
Rasgava quem eu sou, quem eu fui, quem um dia seria.


Vi luzinhas acenando do céu
como fadas bondosas a desmentir
o escuro das minhas noites.

No entanto,
a bruxa vermelha incendiou meus sonhos.
Ardi de medo.
E, sem áura, não virei santa.

terça-feira, 29 de abril de 2014

















O beijo sumiu embaixo da mesa
roçou nossas pernas
vai e vem de gato curioso
olhou seu rosto entre minhas mãos
virou-se para medir a noite
então foi afiar as unhas e lamber o couro

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Autofagia


Abraço em falso
Evitar espelhos
A voz em branco
O sangue mais branco
Andar, cair, voar
A rotina dos anjos-insetos
O estranho afeto, gélido
A despertar das fervuras de ontem
Prepara-me o escalda pés
Os sais
Incensos
Entre os temperos e a fumaça
Cozinho minhas coxas suculentas

domingo, 30 de março de 2014

Carpe diem















Domingos espancam crianças, afogam soluços e calam as mães. 
Nada fere a paz das ruas sob passarinhos.
Os cães latem, rasgam o ar à caça de ouvidos.
Não se conformam.
Querem despertar gente.
Tememos os domingos e vamos à missa.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Literatos



















Desenha-me os cheiros do seu desejo.

Escreve meu corpo com sua boca.

Folheia-me dedo e saliva.

Abraça-me no vão das palavras

e sussurra a letra da sua língua.

E eis o que lês: enigma.

Então revive-me nos ais da sua pele.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014



Existe um lugar porta
rosa branca aberta
lavanda.
Existe um lugar terra vermelha sob os pés
e tudo que és
descalça.
Existe um lugar vento no rosto,
labio e língua a sentir o gosto.
Existe um lugar gargalhadas,
sem vergonha e luzes apagadas.
O lugar barriga colada às costas
respira, olha.
Existe um lugar avó
desatadora de nós.
Um lugar Alice
e todo amor que existe.
Lugar cigarra,
voz solta sem amarras.
Existe um um lugar a mil:
paixão, a, o, til.
Existe um lugar sem dono,
encontro,
homem e mulher se perdem, se danam.
Existe um lugar próprio,
ninguem escapa sóbrio,
sempre se pode voltar.





domingo, 1 de dezembro de 2013

Ulisses



Sereiando-te
E tu, vens marinhar?

Sereiando-te
Amarra os sentidos
Pra não arrepiar.

Sereiando-te
Ancora as ondas
que te vagueiam.

Sereiando-te.
Aporta no indizível.
Vem marinhar.
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