quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Há muito tempo


Risk & Shmoo
Os corpos choravam suores salgados de emoção.
As bocas se olhavam entreabertas, incrédulas
do gosto que se lhe ofereciam.
O som era de ritmos silenciosos.
Tudo muito quieto. Tudo muito bom.

No início tem o medo de doer, quando goza o coração. É isso que faz gemer.
Ai, ai, que medo!
Aí tem o tesão, infinito como ão.

Respiravam o ar pelos
pelos, pêlos, pêlos nus.
Odores de homem em cheiros.
Oh, dores que ardem são ardores.
Ai que não dói.
Nem quando se descascam as peles com as unhas.
Porque as cascas se vão, pra nunca mais.

No lugar do fim, uma parada.
Para, para, para continuar no caminho.
Caminha no ar
condicionado à paixão.

E assim, num bocejo, levitaram.
Esquecidos da gravidade de seus gestos,
os anjos caídos de amor.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Fosso
Um poço que se afoga em água

Como viver rachada
Como sobreviver e não tocar a ferida

Água me engole e cospe.
Saliva secreta o verbo

Todas as manhãs se apagam
Todo dia me é tomado
Toda morte mata e não mostra o pau

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A história de uma morte

Femme - Louise Bourgeois




















A visão daquela mulher esquartejada me iluminou.
Ela jorrava o sangue de incontáveis guerras,
era o lugar de todas as dores,
tão forte que vencia até a dor de morrer.
Apocalíptica e desintegrada
como o Eco não viu,
cavalgada por todos os males,
corria como a besta atrás do rabo.
Endemoniada em suas correntes
e purificada pelo próprio fogo,
ela se juntou em suas cinzas
pra alimentar o mundo com seu desamparo.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

A historia de um laço de fita
















Era uma vez um laço de fita
que vivia pendurado pensando na vida.
Poderia amarrar os cabelos de uma menina
ou enfeitar seu vestido de baile.
Com um nó bem apertado
embrulharia seu presente de amor.
Mas como desfazer tão boa laçada?
Só mesmo a menina, que vive entre os fios
e sempre foi boa em desembaralhamentos.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011


Amanheci com o sol queimando no peito.
Como arde!
Ultravioletas derretem sorrisos
e esfolam as peles mais resistentes.
Não há proteção contra essa luz interna.
Intensa. De doer os olhos.
Não há sombra de mim ao meio-dia.
A pino, caminho em direção ao poente.
Renascer?

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Depois de ler e ouvir o valter precisei escrever o valter.


valter hugo mãe

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Diante de ti estava como uma criança nascida sem certidão.
Todos os meus sentidos clamavam pelo teu nome.
Tua voz acarinhava minha pele curiosamente macia,
como que nascida para esse som.

Quem és tu, esse que esquarteja mulheres e profana as santas,
decepando a beleza de seu altar?

Na tua língua mãe
vivo a violência do Serapião,
ansiosa pelas tuas letras
como se essas tuas tetas
pudessem me deleitar.

Ó pá!
Ô pessoa do valter!
Corajosamente contornastes uma cintura calejada
até chegar à liquidez mais profunda do meu sexo
e ali navegar sua descoberta.
Enfiaste o português corpo a dentro,
com um tesão de fazer inveja às mais tristes putas.

(Gabriel, meu anjo, perdoa-me. Dê um tempo à tua cólera.
Apesar das tuas veias abertas, nunca serás apanhado em maquinações espanholas.)

sábado, 24 de setembro de 2011

Quando o mundo aperta


Quando o mundo aperta, meus olhos se espremem
ainda mais fortes,
transparentes a qualquer sensação.
De forma que eu choro,
bem no centro da minha garganta.
E minhas paredes apertam.
Bem ou mal minhas paredes apertam.
Choro no centro da minha garganta.
Afinal, onde está sua mão pra eu descansar a voz?

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Sem título

















Formigas me arranham por baixo da pele.
Todos esses pequenos eus formigam, colonizando minha carne 
dessa estranha gente.
Assopra a fumaça morna de velas rezadas
por onde respira o formigueiro que trabalha em mim.
Quero a paz incensada dos templos.
De todos os tempos:
O imemorial.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Imperativa

Vocifera
Voz!
Fora daqui!
Vocifera
Fera!
Fere fora daqui!
Vocifera
Fora!
Aqui fere!
Fora daqui!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Onde descansar os mortos


Depois do ódio alemão e do calor de Hiroshima,
caminhamos pela terra árida como se fosse um jardim.
Arrastamos nossos mortos até um lugar onde se podia avistar toda a devastação.
Encontramos finalmente um rio
assoreado por lixo atemporal.
Mas a água não precisa estar limpa, só precisa estar lá.
Descansamos nossos mortos na margem.
Pisamos o leito macio do rio.
As águas encardidas amolecendo os tornozelos.
Deitamos ali mesmo. A lama era a única cama possível.
A água a escorrer por nossos corpos em cachoeira.
Dormimos sonhos impecáveis até quase afogar.
E esperamos nossos mortos secarem ao sol
antes de cumprirem a missão sagrada de adubar o mundo.

domingo, 17 de abril de 2011

Laços e nós



Laços se desfazem e refazem,
sempre belos e pouco confiáveis.
Nós não têm saída.
Prendem à força e
arrebentam na faca.
Cegos que são ao brilho da fita,
preferem calejar na corda.



domingo, 27 de março de 2011

Diante da escultura de um casal em Paraty

Corpos engordados no barro,
gandes, espaçosos.
Cabe até gente dentro deles.
Homem e mulher se abraçam na argila
e há espaço para os dois.
Afirmam-se dois.
Escoram-se.
O volume e o peso de seus corpos,
cheios de espaço,
nunca os deixaria cair.
O vazio é apenas uma paisagem interna.

Atelier Dalcir - Paraty

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Estou do outro lado do mundo.
Lá,
do avesso de mim,
sigo impávida
a atravessar pessoas.

Não há muro ou coração que guarde meu olhar ultramarino.
Muda, abocanho desconhecidos.

Hálitos estranhos sopram meu caminho
e um mapa grita em meus ouvidos,
anunciando façanhas
Espiraladas!


Partida



















Meus dentes sangram
e uma dor fina me enche a boca de medo.
Mastigo seu beijo com cuidado
pra não quebrar.
O abraço
partiu-me inteira,
de dentro a fora.
Manca,
sustento minha cara
em raras aparições.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O terceiro


De tudo que é
homem,
eu tomaria você.

Daria minha mão pela tua pele
verdadeiramente macia.

Seríamos pretos juntos,
como no início dos tempos.
Comeríamos um ao outro
generosamente.

Guardaria cada um dos teus cheiros
entre os dedos,
para aquecer minha garganta
seca pela tua sede.

Meu homem de comer e de beber.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Ano de plantar

Esse ano
vou plantar uma pessoa em mim,
no meu chão ferido,
agora pronto pra semeadura.

Quero ver essa gente
verdejando por aí sem medo,
florescendo às vezes
e morrendo sempre
no calor da briga.
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